A.B/ D.B Maria
Tereza
Não conheço ninguém da
minha geração que, ao ouvir os Beatles, não
sinta uma estranha sensação de
saudade. Talvez, pelos lindos anos da
infância e da juventude que se perderam no
tempo... talvez, pela alegria de descobrir o
mundo e dançar, cantar e viver, embalado num
ritmo frenético que começava a encantar... e
virou eterno. De uma certa forma, acredito que
social e culturalmente devêssemos registrar a
História recente com A.B e D.B. - antes dos
Beatles e depois dos Beatles. Nas nossas
recatadas e acreditadas devassas brincadeiras
dos sábados e domingos de anos que não voltam
mais, queríamos mostrar que o mundo era nosso e
nada podia nos segurar. Fôssemos meninos ou
meninas, moços ou moças, aquele frenesi era um
passo pro mundo, uma certeza de que nada nos
faria mal, nada poderia nos fazer infelizes,
porque os garotos de Liverpool existiam e nos
contagiavam... e nos forravam o chão de
segurança e esperança no futuro que, certamente,
nascia glorioso. Os rostos afogueados pela
inusitada dança do eu sozinho, onde balançar era
tudo o que de mais devasso fazíamos, era o real
desespero dos nossos pais, que abominavam os
rapazes de Liverpool e não tinham certeza aonde
ia dar aquela juventude desvairada, que se
contorcia e cantava e dançava e ria... e era
feliz. E tudo era feito com tamanha ingenuidade
que hoje penso como nós mesmos acreditávamos
estar controvertendo a ordem, a moral e os bons
costumes. (Ah!, a
tradicional família brasileira!!!...). Nas
brincadeiras dos sábados e domingos até
esquecíamos que, lá fora, o toque de recolher
fora dado. A lei do silêncio era absoluta. Não
podíamos pensar, falar, expor pensamentos.
Nossos conhecidos morriam, desaparecidos em
domingos de sol em Copacabana. Ou saíam para ir
à faculdade e nunca mais voltavam pra casa. A
Lei era a do cassetete de milhares de militares
que se entricheiravam com medo de comunistas e
marxistas. (Medo de que???). Mas as baladas
de Liverpool tinham até esta sutil capacidade de
nos fazer esquecer dos milicos, da falta de
liberdade, da amputação dos direitos do
cidadão... as baladas de Liverpool só não nos
faziam esquecer que nós éramos únicos e
privilegiados de estar vivendo em tempo real uma
façanha tão grande, que foi a de mudar o mundo e
a postura daquela e das futuras gerações.
Benditas baladas! Benditos rapazes, que ficarão
para sempre tatuados nas nossas lembranças mais
felizes da juventude! ... Mas que milico, que
nada! A gente se vingava deles dançando e queria
mais era continuar cantando "She loves you,
yeah!, yeah!, yeah!"...
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