Ontem foi dia de recomeço.
De recomeço e de início de alegrias duradouras e legítimas. De
agradecimento ao mar, ao céu à lua às estrelas e a todas as energias
da natureza por terem conseguido encher meu coração de esperança
depois da perda de tantos entes queridos nesse ano que passou. Ontem
as horas esvaíram emotivas, com acertos inimagináveis, densos e
profundos e eu bendizia poder além de meu corpo saudável e vibrante
usufruir um cérebro, que me condicionava ao encontro de lições de
vida, com benéficas conclusões... Conclusões amenizadoras e
felizes...
Deitei-me em pleno chão absorvendo a luz que entrava pela janela
aberta sentindo a doçura incomensurável daquele momento. E pensava
em quantas vezes a coragem e as fortalezas tinham-me feito agradecer
momentos enriquecedores que eu atravessara.
Sorri intensamente naquele instante de calma, em que meu coração
guardava não amarguras, mas vontade viver, pular e brincar tal como
uma criança e sentia através de meu olhar um brilho entusiasmado.
Relevei as horas em que provavelmente fora injusta comigo mesma e
com a vida, talvez esquecendo as variações que ocorrem e as
sensações de contrastes sempre tão misteriosos.
Claro que sabia que o correr dos dias me lembrariam impressões, me
fariam passar por outros acontecimentos e me impulsionariam a
repulsar tristezas. Claro que eu sabia o quanto a miséria das
pessoas que mal têm o que comer me incomodavam profundamente, claro
que eu tomaria conhecimento e veria cenas horripilantes de
violência, incompreensão e presenciaria o egoísmo a começar de mim
mesma, e claro que eu detestaria cada segundo desse quadro
estarrecedor.
Deitada ali, olhos fechados tinha consciência de que queria ir ao
encontro da felicidade com tanto empenho, que minha regressão
fazia-me ter certeza que de agora diante nada me levaria ao
desânimo, e se acontecesse seria tão passageira quanto o pensamento.
Imaginei milhões de pessoas que estariam impossibilitadas de pensar
do mesmo modo, de crianças indefesas, pessoas carentes desde o
sentimento até à falta completa de alimentos. E tomei consciência
que não tinha o direito de ser frágil ou me sentir impotente.
Sentei-me sentindo em minhas pernas nuas o calor gostoso do sol que
batia ali no lugar em que me encontrava e imaginei os dias de
alegria que haviam passado, o fascínio dos gestos, das palavras, a
ternura dos olhares, abraços e cariciosos sussurros esquentando
horas de prazeres, remetendo-me à claridade, fazendo-me rir ,
ensinando-me o valor das coisas e revelando-se, bela e acolhedora
pela minha alma.
O meu recomeço é grande e insinuante e me faz ver o horizonte bem
ali, glamourizado por cores do nascente a indicar-me o caminho de
luz intensa que poderei transmitir aos meus semelhantes. E nesse
amarelo dourado que ofusca meus olhos encontro a razão máxima para
crer sempre e indefinidamente no amanhã simples da cada dia,
experimentando o valor de todos os momentos que viverei. Esse
instante não voltará jamais, outros retornarão, mas nunca o que
estamos sentindo agora e da mesma forma compensadora.
O telefone tocou estridente, indicando-me que existia vida e que
qualquer que fosse a notícia eu estava ali para ouvir, compreender,
enfrentar, alegrar-me, e incendiar-me de vibração ou de vigor que no
momento fosse necessário. Nesse recomeço , coincidindo com a
primavera, ao iniciar os passos novamente e caminhar desenvolta e
plena, encontro nas horas sucessivas razões para imergir dentro do
oceano translúcido de meus próprios sentimentos e sonhos
absorventes. |