UM
OUTRO OLHAR É
POSSÍVEL
Marcos
Rolim
Os
olhares são
muitos, pode-se
dizer. Há o
olhar apaixonado
que se entrega e
brilha; há o
olhar
desesperado que
se perde de si
mesmo e o olhar
enlouquecido que
já não olha
exatamente.
Há
um olhar que
submete e outro
que liberta; há
um olhar profano
que quer saber e
um olhar sagrado
que pensa que
sabe; há um
olhar que acolhe
e outro que
amedronta; um
olhar que ama e
outro que
afronta; um
olhar inocente e
um olhar culpado
; um olhar
sincero e um
olhar forçado.
Há um olhar que
se derrama e que
fácil, se
descobre o nome
e outro, feito
chama, que nos
invade e
consome.
Há
um olhar que vem
e outro que se
esvade; um olhar
inteiro e outro
pela metade. Os
olhares são
muitos,
"pode-se
dizer".O
olhar
que a Burca
esconde é,
assim, um olhar
fragmentado,
dividido pelo
que se lhe
oferece como
impossibilidade.
Não há
encontro nesse
olhar, não há
olhar
compartilhado.
Atrás
da Burca, há
então,
sobretudo, uma
ausência; uma
ausência do
reconhecimento
pelos outros. Se
pensarmos um
pouco no olhar
que as mulheres
podem ter com a
Burca, haveremos
de concluir que
eles lhes
assegura a
lembrança
constante de uma
prisão. Entre
elas e o mundo
há uma tela, um
limite
inexpugnável.
Tudo o que lhes
for possível
vislumbrar no
espaço público
estará marcado
pelas sombras e
pelo tracejado
dessa tela. Essa
condição pode
ser lembrada,
também, para o
olhar daqueles
que foram
possuídos pelas
ideologias. O
"olhar
ideológico"
é aquele que
só pode
enxergar as
sombras
autorizadas por
seus limites.
Nos referimos a
um olhar
específico que
só reconhece
aquilo que já
foi visto e que,
portanto, não
se surpreende.
Trata-se de um
"olhar"
adoecido este.
Um olhar que
distorce o que
vê reconhecendo
como legítimas
apenas as
imagens que
confirmam o que
se pretendia
ver. Um olhar,
no mais, que
volta-se sempre
para o
horizonte, para
o futuro, mas
que parece ter
dificuldades
extraordinárias
em reconhecer o
que está perto,
o presente. Se
queremos um
outro mundo e se
imaginamos que
ele é possível
seria, então,
preciso estar
atento para
aquilo que do
"velho
mundo"
ainda carregamos
como uma
tatuagem
incômoda. Em
outras palavras:
deveríamos
tratar de nos
livrar de nossas
Burcas.
Há
uma "ordem
da coisas"
que se desprega
dos sentidos com
os quais ainda
pretendemos
aprendê-la, que
herdamos, que
nos indiferencia
pelos
preconceitos que
compartilhamos,
ou pelas
angústias que
nos paralisam.
Vivemos um tempo
onde o original
é cada vez mais
raro.
Parafraseando
Walter Benjamin,
é como se os
indivíduos
perdessem sua
"aura",
vale dizer: sua
autenticidade.
Dito isso, não
seria demais
insistir que um
novo olhar é
possível.. Com
esse olhar,
recusaremos as
certezas
políticas em
troca de
princípios de
natureza moral.
A democracia é,
entre todos os
regimes, aquele
que de uma forma
mais acabada
afasta- se da
verdade. Suas
razões, afinal,
serão sempre
aquelas a que se
chegou por conta
de um debate;
seus motivos, os
que parecem mais
justos. Nesse
quadro, a utopia
dos Direitos
Humanos está a
nos lembrar que
a tolerância,
como respeito
pelo outro e
valorização da
diferença,
talvez seja
apenas a
sabedoria que
supera o que há
de temível na
idéia da
verdade.
"Os
olhares são
muitos, pode-se
dizer. Há um
olhar de verão,
olhar de
mormaço para o
chão grudento e
as paredes
suadas. Olhar
para os açudes,
olhar de rede e
descanso. Há um
olhar de outono;
olhar ventoso
para as folhas
do plátamo;
olhar para as
básculas e os
relâmpagos. Há
um olhar de
inverno; olhar
de veludo e
pelúcia; olhar
de fogo e de
vinho. Há,
sobretudo, um
olhar de
primavera, um
olhar de
setembro que
anuncia a
mudança; um
olhar de olhos
cheios de
estrelas, um
olhar de
bandeiras.
A
propósito, qual
é mesmo o seu
olhar?
Colaboração
de Cibele Menini |