Há na pura amizade um prazer a que
não podem atingir os que nasceram
medíocres. A amizade pode subsistir
entre pessoas do mesmo sexo a
diferentes, isenta mesmo de toda a
materialidade. Uma mulher,
entretanto, olha sempre um homem
como um homem; e reciprocamente, um
homem olha uma mulher como uma
mulher; essa ligação não é paixão
nem pura amizade: constitui uma
classe a parte.
O amor nasce bruscamente, sem outra
reflexão, por temperamento, ou por
fraqueza: um detalhe de beleza nos
fixa, nos determina. A amizade, pelo
contrário, forma-se pouco a pouco,
com o tempo, pela prática, por um
longo convívio. Quanta inteligência,
bondade, dedicação, serviços e
obséquios, nos amigos, para fazer,
em anos, muito menos do que faz, às
vezes, num minuto, um rosto bonito e
uma bela mão!
O tempo, que fortalece as amizades,
enfraquece o amor. Enquanto o amor
dura, subsiste por si, e às vezes
pelo que parece dever extingui-lo:
caprichos, rigores, ausência, ciúme;
a amizade, pelo contrário, precisa
de alento: morre por falta de
cuidados, de confiança, de atenção.
É mais comum ver um amor extremo que
uma amizade perfeita.
O amor e a amizade excluem-se um ao
outro. Aquele que teve a experiência
de um grande amor descuida a
amizade; e quem se esgotou na
amizade ainda não fez nada para o
amor.
O amor começa pelo amor, e só se
passaria da mais forte amizade para
um amor fraco. Nada se parece mais
com uma viva amizade do que essas
ligações que o interesse do nosso
amor nos faz cultivar. |