VOCÊ
J.G.de Araújo Jorge

Hoje sinto-me só, neste abandono
que põe na alma da gente um não sei quê...
Para dentro dos olhos vejo o outono,
paisagem cor de cinza e esse ar de sono
que em plena primavera ninguém vê...

Não é tristeza propriamente: é esplim;
nem sei se é esplim: é um sentimento vago;
hoje sinto-me só, sinto-me assim
como a flor que lá fora no jardim
a aragem despetala num afago...

Finíssima neblina há no meu Ser
e em minha alma tristíssima faz frio,
- se lá fora há calor, e ouço o prazer
cantando na alegria de viver,
por que no meu destino esse vazio?

Hoje sinto-me só e há uma tortura
nessa profunda e impenetrável mágoa...
Minha vida é uma sombra... é uma figura
que se debruça numa noite escura
no olhar parado de uma poça d'água.

Hoje sinto-me só... e faz-me mal
ficar só, quando a noite está tão calma. . .
Quanta gente infeliz, sentimental,
sentirá, com certeza, uma ânsia igual
à que eu sinto rondando na minha alma...

Pela janela aberta entra o bafio
morno, de um ar que embriaga e que perfuma;
vem da sombra um rumor, um murmurio,
talvez, - quem sabe? - passe adiante um rio...
Mas bem sei que não passa coisa alguma...

Esse rumor que chega aos meus ouvidos
que impregna o ar assim, esse rumor,
é a canção de mil beijos escondidos,
de lábios entreabertos e vencidos
que se procuram na ilusão do amor...

Eu sei bem por que sofro e o que eu almejo,
minto afirmando que não sei porquê,
- falta uma boca para o meu desejo,
falta um corpo que eu quero e que não vejo,
Falta, por que não confessar?... Você!

Retirado do livro "AMO", 1938
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Este trabalho foi executado por Jussara e gentilmente
cedido para utilização no Tempo de Poesia.

 

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