Já não temos pegadas a seguir, nem dispomos de bússulas ou de instrumentos válidos. Estamos entrelaçados e sós. Quando olhamos para trás ainda é possível vislumbrar as marcas de sangue nas paredes e a poeira dos ossos sendo reviradas pelos ventos que seguem soprando. Não há respostas, entretanto, nesse vento; só perguntas angustiadas sobre nossos sonhos.
Percebemos, então, que somos feitos dessas perguntas sem respostas e que nossos trajes mais íntimos não são aqueles que cobrem nossas vergonhas, mas aqueles que revestem nossos silêncios. Nesse olhar para o passado há muitas imagens. Em uma delas, vemos um jovem diante de um tanque e, nesse tanque, uma estrela vermelha. Havia milhares de jovens chineses naquela praça, naquele dia. Havia também a ordem de disparar em nome do socialismo. Em um relance, nossa visão atordoada recolhe os sorrisos de outros jovens que destroem um muro; ao fundo, ouvimos os acordes de Jimmy Page em "Since I ve Been Lovin you". Os burocratas não ouviam Led Zeppelin. Haviam se acostumado a administrar um mundo sombrio sem guitarras e violinos. Essas cenas, não por acaso estão gravadas em preto e branco. Há algo que nos vincula a essas imagens e que nos divide de forma esquizofrênica.
Nossos corações pulsam no mesmo ritmo dos jovens chineses e alemães, mas nossos símbolos podem ser reconhecidos nos distintivos dos seus algozes. Perturbados, fechamos nossos olhos e olhamos em volta.
Estamos no Brasil ao ínicio do século XXI. Perto de nós, muito perto, há crianças descalças que se alimentam de luz; há homens e mulheres exilados porque não ouvem e falam por sinais; há duendes de borracha e índios doentes nas florestas que restaram; há estranhos indivíduos circulando pelos manicômios e outros esquecidos em calabouços infinitos. Já não se contam os que encarceramos, já não se contam os que foram enterrados clandestinamente, já não se contam os meninos que em suas próprias casas conheceram o ódio, as cintas e as fraturas. Esparramamos nosso olhar sobre nossas cidades e as descobrimos divididas, separadas. De um lado os que habitam palácios de cristal; de outro,os que se equilibram em palafitas. De um lado, os cidadãos; de outro, os que serão sempre suspeitos.
Nosso olhar, então, é inundado e descobrimos, entre soluços, que estamos, mais uma vez, entrelaçados e sós. Voltamos, então nosso olhar para o futuro. Não há nada cuja imagem possa ser vista com nitidez. Um pouco mais de atenção, entretanto, aos que conosco tentam dissipar as névoas, permitirá reconhecer uma vontade que nos acende como uma lâmpada que carregássemos no peito.
O futuro, descobrimos, se faz agora com nossos risos e nossas febres, com nossas fantasias e espantos. Há muito o que fazer. Trazemos conosco o vozerio do tempo. Entre maldições e promessas, vamos seguir por essa trilha estreita imaginando que a própria caminhada nos ofereça o sentido.

Colaboração Cibele Menini

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